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  • Foto do escritorEstêvão Palitot

1638 e 1640 | OS BRASILIANOS, POR ADRIAEN VAN DER DUSSEN

Atualizado: 5 de fev. de 2023

Um mapa produzido a partir do relato do Alto e Secreto Conselheiro da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais em seu retorno para Amsterdã, depois de passagem pelo Recife.



No dia 04 de abril de 1640 Adriaen Van der Dussen apresentou ao Conselho dos XIX, na Câmara de Amsterdã, um Relatório sobre o Estado das Capitanias conquistadas no Brasil. No documento o autor descreve detalhadamente as características econômicas e sociais das capitanias que constituíam o coração do Brasil Holandês. Para a construção do nosso mapa recortamos apenas as informações relativas às aldeias indígenas e às cidades, vilas e povoações. A geolocalização dessas camadas teve como fonte o trabalho de Levy Pereira no Atlas Digital da América Lusa.


Neste mapa apresentamos a localização das aldeias de brasilianos (indígenas de língua tupi) identificadas por Adriaen Jacobsz van der Dussen, Alto e Secreto Conselheiro da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.



As principais preocupações de Dussen sobre os indígenas nestes relatórios dizem respeito aos seus modos de vida, aos esforços de conversão religiosa católica e protestante, às formas de utilização de sua mão-de-obra nas atividades econômicas, e principalmente, o uso militar dos contingentes das aldeias nas guerras frequentes. Nesse sentido, a descrição das aldeias enfatiza, além de sua localização, os líderes indígenas e holandeses de cada uma e a quantidade de homens de armas disponíveis.


São identificadas 19 aldeias nos territórios sob controle holandês. Em Pernambuco são 04 aldeias (Aldeia em Alagoas, Una, São Miguel e Nassau); Em Goiana (Itamaracá) são 05 aldeias (Aabaú, Tapisserama, Tapisserica, Carasse e Butagui); Na Paraíba mais 05 aldeias (Tapuiá, Masurepe, Pontal, Jargaú e Maurícia. Esta última reunindo os indígenas das aldeias de Pindaúna e Jaocque); No Rio Grande, outras 05 aldeias (Goiana, Parari, Monpabu, Tapupe e Tapiop). Ao todo, essas aldeias compunham um contingente de 1923 homens armados. Na aldeia Maurícia, na Paraíba, fixou-se o predicante David Doorenslaer para dar início ao projeto religioso calvinista junto aos indígenas, onde deveria se dedicar ao aprendizado da língua tupi como instrumento de conversão religiosa.


Além desse relato apresentado na Holanda em 1640, Dussen assina um outro documento junto com Maurício de Nassau, M. van Ceullen e S. Carpentier: Breve Discurso sobre o estado das quatro Capitanias conquistadas no Brasil, pelos holandeses, 14 de janeiro de 1638. Neste relatório constam também informações sobre os brasilianos, porém de forma mais sucinta. A seguir, reproduzimos ambos, em ordem cronológica.

 

DOIS RELATOS DE ADRIAEN VAN DER DUSSEN



(1638) BRASILIANOS | "A terceira espécie de gente livres são os brasilianos, que vivem em suas aldeias sobre si e debaixo da inspeção de capitães holandeses. Alimentam-se de mandioca e de poucos outros frutos, de que tomam o quanto lhes parece necessário para a sua sustentação, e, quanto ao mais, vivem despreocupados, sem terem disposição alguma parra granjear riqueza. Contentam-se com possuir uma rede onde durmam, e alguns cabaços por onde bebam, o seu arco e flechas, e sua farinha, a sua boa água e a caça que vão buscar nas matas para se alimentarem; trabalham somente para ganhar para si e suas mulheres o pano que seja necessário para cobrir seus corpos, e consideram bastante que suas mulheres vistam uma camisa de pano pendente até o chão, e eles mesmos obtenham alguma roupa que lhes permita trazer uns calções e um gibão, ainda que sem camisa.


E se não fora esta inclinação, não seria possível tê-los a trabalhar; somente para ganhar isto são levados ao trabalho, e não querem trabalhar senão até que tenham ganho, quando muito, oito varas de pano grosso ou alguma pouca roupa, o que de ordinário corresponde a 20 ou 24 dias de trabalho. Com isso, voltam a suas aldeias, dizendo que possuem bastante e de nada mais precisam, e não se deixam empregar em trabalho algum, salvo se forem forçados pelos seus capitães holandeses.


Os serviços em que mais se empregam os brasilianos são: cortar lenhas para os engenhos, plantar canas, limpar canaviais, conduzir e dirigir carros, guardar o gado e outros misteres semelhantes; e estes serviços eles não farão se, além do alimento, a paga não for primeiramente depositada nas mãos do seu capitão para lhes ser entregue quando houverem preenchido o tempo e terminado o trabalho.


Eles vivem presentemente em muitos lugares, mas sem culto religioso algum, por falta de pessoas que os instrua em sua língua e os precedam nas suas orações. Com efeito, não temos pessoa idônea para mandar às aldeias, e eles afastaram de si os católicos, a quem não querem mais admitir. Conviria, pois, que nas aldeias tivessem pessoas capazes que instruíssem os brasilianos, e sobretudo os meninos, a fim de aprenderem eles a nossa língua e no decurso do tempo receberem os fundamentos da religião cristã, e nisto pretendemos empregar o mestre-escola espanhol recém-chegado.


Eles mesmo pedem com instância a presença dos nossos predicantes; e dizem que lhes agradaria que um ou dois predicantes conversassem com eles, os instruíssem, batizassem seus filhos e casassem os seus jovens. Nas aldeias da Paraíba o predicante Doreslaer faz diligência por aprender-lhes a língua e instruí-los na religião, e já está tão adiantado que pode conversar com eles em português, e de algum modo fazer a sua prédica e admoestação, o que os predicantes esperam será de grande efeito. " (DUSSEN, 1638, p.106-107)


FONTE: DUSSEN, Adriaen Van der. Documento 5 - Breve discurso sobre o Estado das quatro capitanias conquistadas, de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, situadas na parte setentrional do Brasil. (1638). In: GONSALVES DE MELLO, J. A., Fontes para a história do Brasil Holandês, vol. 1 - A economia Açucareira: Recife: CEPE, 2004.



 


(1640) BRASILIANOS | "Os brasilianos, que são mais antigos moradores e os primitivos senhores deste país, não vivem juntamente com os portugueses, mas separados, em suas aldeias, em casas feitas de palha ou pindoba, quarenta ou cinqüenta deles em uma só palhoça comprida, com as suas mulheres e filhos; aí permanecem dia e noite, deitados em suas redes. Uma família não está separada das outras, nessas cabanas, mas sob as vistas de todos os que as habitam. Não possuem objetos domésticos, a não ser as redes onde dormem, algumas cabaças onde bebem, algumas panelas de barro onde cozinham e, finalmente, as suas armas, que são arcos e flechas. Em volta das aldeias plantam suas roças de mandioca e de favas nativas com que se alimentam, além do muito que conseguem caçar, como sejam veados, porcos selvagens, tatus e outros animais. Comem também muitos frutos que encontram nas matas. São todos muito dados a bebedeiras: fazem uma beberagem com raiz da mandioca mascada e água, a qual, estando azeda, é servida. Também preparam uma bebida com o caju, na época da safra.


Não se mostram interessados em reunir riquezas ou outros bens e por isso não trabalham nem para si próprio nem para outrem, a fim de ganhar algum dinheiro, a não ser para ter o que beber e para adquirir um pouco de pano para fazer camisas para as mulheres; os homens usam roupa de algodão sobre a pele, geralmente sem camisa. Dinheiro de nada valeria para eles, se não fosse possível adquirir com ele aguardente e vinho de Espanha; somente o pano de algodão, mas, sobretudo, a bebida, os faz trabalhar. Por outra coisa não trabalhariam, mas fazem-no pelo pano de algodão. Vão para o trabalho como forçados e de má-vontade, mas com aguardente consegue-se tudo deles. Têm em cada aldeia um capitão brasiliano e em cada casa um principal, a quem obedecem de boa vontade, e que se estão satisfeitos poucas ordens lhes dá.


Além do capitão brasiliano, foi posto em cada aldeia um capitão holandês que os regem a eles e aos seus principais; a sua maior atribuição é animá-los para o trabalho e dirigi-los na melhoria das plantações e conceder-lhes permissão para trabalhar para senhores de engenho, verificando que não sejam vítimas de enganos e que o seu trabalho lhes seja pago. Empregam-se eles por períodos de 20 dias, de cada vez, recebendo por isso 8 1/2 varas de pano; terminado o prazo é muito difícil mantê-los no trabalho. A ocupação na qual são geralmente empregados é a de cortar lenha para os engenhos, a saber, cada um deles 20 medidas – aproximadamente, outras tantas vadem (*) – o que eles nunca conseguem fazer no prazo de 20 dias, mas apesar disto recebem as suas 8 1/2 varas de pano.


Entretanto, como os negros são poucos agora no país, os indígenas são mais procurados para o trabalho do que anteriormente, o que eles bem percebem e não querem aceitar trabalho algum se não se lhes paga adiantadamente, e tendo ocasião fogem e o senhor perde o seu pano.


Em parte alguma estão os índios mais satisfeitos do que quando vão à guerra, mas não têm escrúpulo de, quando têm vontade, desertar das fileiras como velhacos.


Reunimos uma tropa numerosa, de diversas aldeias, mas quando era preciso marchar, se esquivavam aqui e ali da tropa, voltando para suas casas. Não nos foi possível mantê-los na mesma firme disciplina dos nossos soldados, se bem que recebessem soldo e ração, mas em quantidade menor que a dos nossos soldados. Eles podem prestar no nosso exército diversos serviços a contento e se bem que não sejam violentos com o inimigo eles se fazem temer, visto que são cruéis e não concedem quartel; e quando o inimigo, pelo esforço dos nossos, é forçado à fuga são eles os mais valiosos e temíveis perseguidores; entretanto entre eles se encontram muito bons soldados.


Há pouco conhecimento de Deus e do nosso Salvador entre os brasilianos, e não sabem senão nomear Deus e Jesus Cristo e sua Nossa Senhora, como chegaram a aprender com os padres; sabem, entretanto, o Padre Nosso e o Credo e recitam-nos em sua língua, e nada mais. São poucos os que dão as razões da sua fé e em que fundamentam a Salvação.


Para instruir essa gente simples e ignorante, era desejo que se apresentasse alguém que aceitasse estudar a língua usada por eles: a isto decidiu-se finalmente o predicante David Doorenslaer, para aplicar-se inteiramente ao estudo e tomar a seu cargo o ensino dos brasilianos, tendo sido designado para predicante deles. Fixou residência nas Aldeias Jaocque e Pindaúna, situadas próximas uma a outra, Aldeias que agora se chamam Maurícia, na Capitania da Paraíba, a qual é a mais importante de toda esta região. Dedica-se ele com toda a diligência a aprender a língua dos brasilianos, no estudo da qual já conseguiu muito progresso, realizando boa obra educativa e dirigindo-os. Vai de tempos em tempos de aldeia em aldeia, visitando-as e ensinando as crianças, batizando e casando. E ainda estão em princípio as seguintes aldeias, onde se encontram 1923 homens, tanto velhos quanto jovens, aptos para a guerra ou inaptos, excluídas as mulheres e crianças, as quais estão em proporção, com relação aos homens, de, no mínimo, 3 para 1.



ALDEIAS DE PERNAMBUCO....................Homens


Aldeia em Alagoas, Capitão Heindrick Taffel ........ 53

Aldeia em Una, Capitão Pie ter Michielsz ............44

Aldeia São Miguel, próxima a São Lourenço,

na jurisdição de Olinda, Capitão Duynckercker ...... 90

Aldeia próxima à casa de S. Ex.ª, chamada Nassau ... 50


ALDEIAS EM GOIANA


Aldeia Aabaú, capitão Antônio Pirababa {Paraupaba ?} ... 63

Aldeia Tapisserama, Cap. Herman Hedrincksz ............ 142

Aldeia Tapisserica, Capitão Reynier Meins ............. 332

Aldeia Carasse, Capitão Florins Simonsz ............... 215

Aldeia Butagui, Capitão Henrich de Vries ............... 91


ALDEIAS NA PARAÍBA


Aldeia Tapuia, Capitão Jan Gerritsz .............. 68

Aldeias Jaocque e Pindaúna, agora Maurícia, Capitão Tonis Claensz ....233

Aldeia Masurepe, Capitão Pedro Poty ............. 198

Aldeia Pontal, Capitão Francisco Palety .......... 68

Aldeia jargaú, Capitão Francisco Arandoya ........ 53


ALDEIAS NO RIO GRANDE


Aldeia Goiana, Capitão Jacob Pietersz .......... 46

Aldeia Parari, Capitão Willemjansz ............. 30

Aldeia Monpabu, Capitão Davidt Loeman .......... 56

Aldeia Tapupe, Capitão Dirckmulder ............. 40

Aldeia Tapiop, Capitão jan Alders .............. 51


Total dos homens ..................................... 1923


Daí se verifica que, no mínimo, podem ser reunidos para a guerra 1.000 homens; o restante ou são velhos e incapazes ou precisam ficar de guarnição nas aldeias, onde permanecem as mulheres e meninos, se bem que muitos levem consigo as mulheres para a guerra. Entretanto, muitas ficam nas aldeias e nas roças, para cuidar delas e plantar, porque, do contrário, de volta da guerra, não encontrariam o que comer." (DUSSEN, 1640, p. 182-186)


(*) Como medida de volume usada para madeira, o vadem correspondia a 3,5 x 0,80 x 0,20m. Medida de lenha usada em engenhos de Pernambuco em 1663 está citada no documento do apêndice 3 nesta coletânea.


FONTE: DUSSEN, Adriaen Van der. Documento 6 - Relatório sobre o Estado das Capitanias conquistadas no Brasil, apresentado pelo Senhor Adriaen van der Dussen ao Conselho dos XIX na Câmara de Amsterdã, em 4 de abril de 1640. In: GONSALVES DE MELLO, J. A., Fontes para a história do Brasil Holandês, vol. 1 - A economia Açucareira: Recife: CEPE, 2004.



 

Pintura de Thierbuch em tons bege, marrom e verde de uma aldeia indígena. São duas fileiras de casas coletivas compridas, feitas de taipa e cobertas de palha. Entre elas, há um pátio e uma igreja no canto direito, com um cruzeiro e sino na frente. Em primeiro plano, à esquerda, em uma elevação, dois indígenas em uma rede, mais dois próximos de um tronco de árvore. Abaixo, dois cercados com horta. No pátio, indígenas em atividades diversas.
Aldea, por Zacharias Wagner (1634-1641) Descrição da imagem: representação de uma aldeia de brasilianos (tupi), com a identificação de duas fileiras de casas coletivas, feitas de taipa e cobertas de palha. Uma igreja feita do mesmo material localizada ao centro das fileiras, com um cruzeiro e sino na frente. São mostrados indígenas homens, mulheres e crianças em atividades cotidianas, carregando cestos e varas. Dois indígenas deitados numa rede. Roçados e hortas cercados ao fundo das casas também podem ser vistos. A aldeia encontra-se no topo de uma elevação plana. Vendo-se montes e florestas ao fundo. A representação da imagem é claramente européia, porém observamos a tentativa de reproduzir na imagem itens constantes de descrições escritas variadas como as do Padre Manoel de Moraes ou de Adriaen Van der Dussen.

As descrições de Dussen podem ser relacionadas com outros documentos da época como as informações do Padre Manuel de Moraes (1635), os mapas de Georg Marcgraf (1647) e mesmo a iconografia de Albert Eckhout, Frans Post e Zacharias Wagner.


Destacamos aqui a descrição que Dussen faz da organização espacial e social das aldeias dos brasilianos, onde predominavam as habitações coletivas. Essa característica pode ser visualizada na Prancha 101, Aldea, do Thier Buch de Zacharias Wagner.


A ilustração que acompanha o mapa Praefecturae de Paraiba et Rio Grande, de Georg Marcgraf, também nos traz alguns elementos. Destacamos nela uma tropa indígena, conduzida por um militar holandês, saindo de uma aldeia com casas coletivas e uma igreja. A representação da aldeia é muito similar nas duas pinturas.




Em detalhe, o grupo que marcha é composto, à frente, por homens, sem camisa, usando um calção frouxo, com armas apoiadas no ombro. No meio, um deles carrega uma bandeira com três listras horizontais nas cores laranja, branca e azul e, ao fundo, mulheres vêm de vestido, com cestos na cabeça.
Detalhe do mapa










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